O Mais Horrível Monstro da Existência

O homem desiste, não mais corre, não mais olha para topos não mais vistos, não mais espera oportunidades a lhe aparecer, não mais sabe o que fazer, e nem mais finge tentar sabê-lo. Deita no chão vazio, sozinho em seu nada, e mais uma vez dorme. Escuridão, folhas púrpuras, som de passos.

Uma floresta, onde há espaço suficiente entre as altas e grossas árvores para andar, correr, cantar e dançar, se apresenta, e nela caminha um monstro. Caminha abaixo de um céu de folhas púrpuras, pisando uma eterna grama laranja, num dia iluminado por um pouco visível sol amarelo. E este monstro não é só mais um simples monstro, como aqueles que se espreitam por todos os cantos, tentando se fingir de criaturas sãs pelo uso de ridículas fantasias que só servem para enganar os desatentos olhos dos cegos e, por sua vez, só aterrorizam mais os dotados da visão. Mas sim, um monstro muito pior, terrivelmente pior. Na verdade, provavelmente este é o mais horrível monstro da existência. Um tão horrível que sua descrição só pode ser feita a partir da variabilidade de sua distorcida mente.

O monstro continua a andar pela floresta, rumando para um lugar de igual importância ao de onde veio, o que explica sua grande excitação ao andar, que é quase nula. Seu corpo é pintado pelo púrpura das folhas que são irradiadas pela luz do forte sol amarelo. Assim, caminhando, tomado, como sempre, por um gigantesco tédio, ele é surpreendido por uma forte luz rosa. Um espectro plano de luz no formato de um corpo humano, que parece rapidamente vir em sua direção se espreitando entre as árvores, deslizando pela realidade, e que acaba, ao alcançá-lo, por acertá-lo na cara com uma das mãos, lançando-o ao chão. Ele afunda na macia grama laranja, inconsciente, embarca numa profunda escuridão.

Ao aparentemente voltar a consciência, o monstro abre os olhos e se encontra deitado num pequeno bote de madeira velha. O bote é cercado por um mar negro de sombras e tem sobre si um eterno céu de trevas púrpuras. O gondoleiro, que com seu remo navega o bote na direção do desconhecido, é uma alta criatura com uma negra capa cobrindo todo o seu corpo, que ao olhar para o monstro revela, escondida sob seu capuz, sua face de caveira.

- Um esqueleto encapuzado! Para onde há de ter rumado a criatividade, já não bastava o bote no mar de sombras! – exclama ironicamente o monstro, que se levanta e olha para os lados.

- Cale-se! Ainda não navega por inteiro em meu bote. Ainda encontra desculpas para se recusar a tal. Por que se prende a mentiras que sabe muito bem o assim serem? – pergunta o esqueleto, deixando de navegar, colocando o remo de lado e se virando diretamente para o monstro.

- Porque acredito que na sopa de probabilidades onde me encontro, até o mais horrível monstro pode ainda chegar a felicidade. Prefiro optar pelo desconhecido que posso imaginar, do que pelo desconhecido que pode nem realmente existir.

- Ha, ha, ha… Acredita nisso por ser uma verdade, ou por ser nisso que precisa acreditar? – pergunta o esqueleto, apontando acusatoriamente para o monstro.

- Você sabe a resposta, não? – diz sentando-se, por estar cansado e um pouco desinteressado.

- Não – grita o esqueleto com raiva. – A verdadeira pergunta é se você sabe a resposta!

- Sei, sei muito bem – diz abrindo os braços e mostrado com os olhos o quanto não se importa.

- Então, por que não se entrega a mim por completo?

- Talvez, porque ainda exista a possibilidade de nem tudo eu saber – diz olhando para o lado e passando a mão pelo mar de sombras.

- Mentiras, mentiras e mais mentiras. Quando desistirá? – grita o esqueleto, sem esperar resposta. Depois pega seu remo e dá as costas para o monstro. – Simplesmente volte para o lugar da onde veio – diz desesperançado.

O monstro de novo perde a consciência e do bote cai para o mar. Seu corpo afunda rapidamente nas águas sombrias, sendo sugado por um redemoinho que o leva de volta a profunda escuridão. Ao voltar a consciência, sente seu corpo deitado sobre a grama, e sobre ele sente algo macio, logo, ao abrir seus olhos, se depara com a mais assustadora de todas as coisas, a verdadeira beleza. A garota está sentada sobre ele, debruçada sobre seu corpo, com seu rosto rente ao dele, com seu olhar fixo no dele. Sua boca se faz em sorriso, seus olhos cegam, seu longo cabelo, que cai sobre seus ombros, brilha com a luz.

- Gostou do tapa? – pergunta a garota, ainda sobre ele e passando a mão sobre seu rosto.

- Por quê? – pergunta o monstro, não conseguindo conter o sorriso de ver tamanha beleza.

- Porque o mereceu, ó meu horrível monstro! Eu nunca conheci alguém tão idiota quanto você, e olha que eu só tenho alguns segundos de vida. O que mais me surpreende é que não o tenha tentado por si próprio.

- Eu o faço, constantemente, só que de outras formas.

- Viu, é realmente um grande idiota! – exclama colocando o dedo indicador sobre o nariz dele.

- Quem é você? – pergunta o monstro ainda imóvel sobre ela.

- Uma fada, o que mais eu poderia ser? Deseja me ver por inteiro – diz agarrando as mãos do monstro e levantando-o com ela. Depois, se afasta e dá um giro em sua frente.

- É… fadas não deveriam ser supostamente pequenas? – pergunta o monstro, ao mesmo tempo que se perde do mundo ao observá-la.

- Preferia estar falando agora com uma garota do tamanho de um inseto – responde ironicamente.

- Não. Mas, quem sabe, pelo menos umas asas ajudavam a convencer!

- Repugnante, simplesmente repugnante. Não me vejo tendo duas assas de inseto nas minhas costas. Coisa nojenta!

- Então, o que exatamente te faz uma fada?

- O rosa que paira sobre mim. Fico linda com esse rastro de rosa cintilante que acompanha todos os meus movimentos, não?

- Isso é meio pouco criativo, não acha?

- Mas te excita do mesmo jeito! – exclama colocando as mãos sobre sua cintura e dando um grande sorriso.

- Sim, sempre… Então, linda fada, por que se encontra aqui na minha presença?

- Porque senti uma necessidade de passar a existir, só para te dizer o quanto um grande idiota você é. Afinal de contas, é o mais horrível monstro da existência. Tão horrível e monstruoso que me dá vontade de rir sem parar!

- Não acha que sou horrível e monstruoso?

- Sim é claro que é. Buuuu – diz levantando as mãos e imitando um fantasma. – Então, ó horrível monstro, o que te faz tão horrível?

- Não vê? Não está claro? – pergunta abrindo as mãos e apontando para si.

- Isso é algo físico? – pergunta a garota em dúvida.

- Não, não é…, mas eu não transpiro algo horrível e monstruoso? Não há algo em minha presença que te repugna?

- Por acaso, já teve pessoas correndo desesperadamente de você, ou talvez correndo na sua direção gritando raivosamente e empunhando tochas?

- Não, mas eu não vou ser o que vai incentivá-las a tal.

- Basicamente, o que está me dizendo é que sabe que é um monstro, porque sabes que é um monstro, e não tem nenhuma prova material disso, porque não quer terrorizar ninguém com a sua presença.

- Talvez.

- Sim, você é horrivelmente monstruoso! – exclama a garota, um pouco cansada de argumentar.

- Viu, eu sabia que era óbvio!

A garota só responde com uma cara de raiva, depois respira e recomeça. 

– Vejamos, já pensou que talvez o que te faça ser a mais horrível das criaturas seja o fato de que acreditando ser tão horrível, acaba por fim sendo-o, quando realmente não o seria, se assim não o acreditasse.

- Talvez. Mas, talvez eu o sou e o sempre serei, sendo que o que me faz mais horrível é sequer imaginar que isso eu não poderia ser.

- Ou ainda talvez, eu deva lhe acertar mais uma vez na cara.

E, assim, ela o faz, com o monstro mais uma vez sendo jogado no chão, mais uma vez embarcando numa profunda escuridão e mais uma vez acordando no bote. Porém, dessa vez ao abrir os olhos, ele se depara com este ancorado na areia de uma pequena ilha. Uma ilha no centro do mar das sombras, sob o eterno céu de trevas púrpuras e com uma grande, sinistra e interminável torre de pedras velhas cobertas de limo ocupando grande parte de sua extensão. Ele sai do bote e mais uma vez encontra o esqueleto encapuzado, este sentado em um banco ao lado da única porta da torre, lendo um livro. O esqueleto não olha para ele, só aponta, movendo o dedão para trás, para a porta aberta. O monstro vai até o esqueleto.

- Onde estou?

- Por que não entra logo, não vê que estou fazendo algo mais importante! – exclama o esqueleto, ainda não olhando para ele, só lhe balançando a mão para que vá embora.

- Onde estou? – insiste o monstro.

- É um ótimo livro sabe – diz finalmente virando para ele. – Você morre no final! Então, quer saber onde está? Isso é uma piada, não? Eu que deveria estar fazendo essa pergunta!

- Estou onde penso que estou?

- Que boa colocação de palavras! Agora que já acabou a piada, me deixe voltar a minha leitura. Eu adoro reler a parte dos anos de tortura, um material muito engraçado! Vá logo, ela o está esperando.

- Quem?

- Não vamos começar isso de novo, simplesmente vá!

Então, o monstro entra na torre e sobe pela escada espiral que encontra à sua frente. Após muitos milênios, chega ao topo e atravessa outra porta que leva a um pequeno quarto, todo mobiliado, com uma cama, uma escrivaninha e um armário. Ao entrar, mãos macias o agarram por trás, tapando seus olhos.

Continua…

Parte integrante do livro Um Grito no Vazio para o Nada!

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