Leia

Aqui seguem alguns capítulos do livro:

- O Velho e a Pequena Garota


Um velho está sentado numa pedra no meio do nada, olhando para o nada. Uma pequena garota aparece, vinda de lugar algum para lugar nenhum e vai até o velho. Ela o olha e assim pergunta-o.

- O que você está fazendo? – diz ela despertando pela primeira vez a atenção do velho, que até então não a notara.

- Penso, penso no sentido de tudo aquilo que não faz sentido e quanto tudo isso não faria nenhum sentido se tivesse algum sentido – responde o velho olhando para a garota, analisando-a.

- Isso não faz nenhum sentido – diz a garota.

- Sua afirmação faz muito sentido – diz o velho voltando a olhar para o nada.

- O que olha? – pergunta a garota.

- O nada. Há muito a se ver no nada. Olhe – diz o velho apontando para o nada.


- A Queda


Um homem cai por uma imensidão vazia, olhando o nada que o cerca. Uma garota caindo na direção oposta, agarra-o e senta-se em seus ombros, cobrindo com suas mãos os olhos dele.

- Quem senta em meus ombros e cobre os meus olhos? – pergunta o homem.

- Ninguém – responde a garota.

- Ninguém me acompanha nesta constante queda. Imagino quando haverá alguém para fazê-lo – diz o homem, pensativo.

- Sim, ninguém acompanha-o nesta terrível queda. Sua horrível e interminável queda para todas as direções verticais e horizontais do vazio eterno. Vazio frio e absoluto! – exclama a garota, retirando as mãos dos olhos dele, estes que se fecham com essa ação, e abrindo-as no ar de modo trágico. – Ó, o horror, o horror! – exclama com um profundo pesar.

- Sim, é ruim – diz o homem com certa indiferença, mantendo seus olhos fechados.

- Então, por que está caindo desta vez? – pergunta a garota, voltando com suas mãos para os olhos dele.

- Desta vez! – exclama o homem revoltado. – Esta é a primeira vez que caio – afirma com certa determinação, mas acaba ficando depois em dúvida.

- É claro, claro – responde a garota com certa ironia. – Por que está então caindo desta primeira vez?


- Os Fantasmas

O homem jogado no chão, levanta-se. Mais uma vez encontra-se sozinho e sem direção, porém sem queda – até essa parece ter deixado de lhe importar. Tragado pelo estático, dá um grito, um grito no vazio para o nada. Uma pequena garota com ávidos olhos aparece e lhe olha seriamente. Ele a olha de volta e fica a esperar que ela fale alguma coisa. Ela nada fala.

- Azuis, lindos olhos azuis, por que me olham? Por que me perfuram?

Ela nada responde.

- Vejo tanto nesses olhos, tanto que quero ver, tanto que raramente vejo! Quero tanto me perder neles, mas há tanta seriedade. Por que há de haver tanta seriedade nesses olhos que a mim neste momento se dirigem? Por quê?

Ela nada responde.


- O Mais Horrível Monstro da Existência

O homem desiste, não mais corre, não mais olha para topos não mais vistos, não mais espera oportunidades a lhe aparecer, não mais sabe o que fazer, e nem mais finge tentar sabê-lo. Deita no chão vazio, sozinho em seu nada, e mais uma vez dorme. Escuridão, folhas púrpuras, som de passos.

Uma floresta, onde há espaço suficiente entre as altas e grossas árvores para andar, correr, cantar e dançar, se apresenta, e nela caminha um monstro. Caminha abaixo de um céu de folhas púrpuras, pisando uma eterna grama laranja, num dia iluminado por um pouco visível sol amarelo. E este monstro não é só mais um simples monstro, como aqueles que se espreitam por todos os cantos, tentando se fingir de criaturas sãs pelo uso de ridículas fantasias que só servem para enganar os desatentos olhos dos cegos e, por sua vez, só aterrorizam mais os dotados da visão. Mas sim, um monstro muito pior, terrivelmente pior. Na verdade, provavelmente este é o mais horrível monstro da existência. Um tão horrível que sua descrição só pode ser feita a partir da variabilidade de sua distorcida mente.

O monstro continua a andar pela floresta, rumando para um lugar de igual importância ao de onde veio, o que explica sua grande excitação ao andar, que é quase nula. Seu corpo é pintado pelo púrpura das folhas que são irradiadas pela luz do forte sol amarelo. Assim, caminhando, tomado, como sempre, por um gigantesco tédio, ele é surpreendido por uma forte luz rosa. Um espectro plano de luz no formato de um corpo humano, que parece rapidamente vir em sua direção se espreitando entre as árvores, deslizando pela realidade, e que acaba, ao alcançá-lo, por acertá-lo na cara com uma das mãos, lançando-o ao chão. Ele afunda na macia grama laranja, inconsciente, embarca numa profunda escuridão.


- Seguindo a Rua

À minha frente, então, se encontrava mais um grande salão. Um extenso salão repleto de milhares de cadeiras de concreto, fincadas no chão, organizadas em fileiras, viradas todas para uma mesma direção, oposta ao portão, para um distante e alto palanque de madeira. O teto afastava-se por uma distância incalculável e deste só se viam as chamas de um fogo ardente. Grossas pilastras quadradas cortavam o salão esporadicamente. E, assim, na frente de uma, após forçar minha passagem pela multidão, encontrei uma cadeira livre e me sentei, pois me parecia o mais propício a ser feito. Ali sentado, rodeado de olhares distantes, mais uma vez, não sabia o que fazer. Ficaria parado a observar os arredores, ou sairia em seu encalço? Com a primeira opção, poderia garantir que se por minha área de observação ela passasse, eu poderia avistá-la e rapidamente alcançá-la. Mas se por ali ela não passasse, de nada isso adiantaria. Especialmente, se fosse o caso de ela já ter encontrado um lugar para sentar. Com a segunda opção, poderia sair a procurá-la, tendo a possibilidade de cruzar com ela pelo caminho, caso ela estivesse a andar, ou caso também ela já estivesse sentada. Mas, também havia a possibilidade, caso ela estivesse andando, de que quando por um lugar eu estivesse passando, ela estivesse fazendo o mesmo por outro, por um ao qual eu ainda iria passar, ou ao qual eu já teria passado. Havendo, assim, grandes chances de nunca nos encontrarmos no mesmo lugar. Logo, por haver maior probabilidade de encontro, me decidi pela segunda. Levantei. Porém, antes de começar minha perseguição, achei melhor de alguma forma marcar aquela cadeira em que estava, caso a esta eu precisasse voltar. Assim, deixei minha mochila sobre esta. Mochila a qual acabara de notar que trazia em minhas costas e que estava vazia por nada eu ter a carregar senão aquela própria mochila vazia.