Os Fantasmas


O homem jogado no chão, levanta-se. Mais uma vez encontra-se sozinho e sem direção, porém sem queda – até essa parece ter deixado de lhe importar. Tragado pelo estático, dá um grito, um grito no vazio para o nada. Uma pequena garota com ávidos olhos aparece e lhe olha seriamente. Ele a olha de volta e fica a esperar que ela fale alguma coisa. Ela nada fala.

- Azuis, lindos olhos azuis, por que me olham? Por que me perfuram?

Ela nada responde.

- Vejo tanto nesses olhos, tanto que quero ver, tanto que raramente vejo! Quero tanto me perder neles, mas há tanta seriedade. Por que há de haver tanta seriedade nesses olhos que a mim neste momento se dirigem? Por quê?

Ela nada responde.

- Eles já foram outros, não? Esses dois profundos oceanos cristalinos já me olharam de uma forma diferente, já correram atrás de mim com a chama que se recusa a se apagar até na mais pura transparente água, no mais puro azul. Dois magníficos brilhantes olhos que já degustaram minha essência! Mas, por que se cansaram? Por que desistiram? Fui eu quem desisti? Por favor, só uma palavra é tudo que peço, só uma e poderei descansar. Só um porquê!

Ela nada responde.

- Então, por que há de me atormentar? Se não me oferece palavras a me completar, se não me oferece uma imensidão onde possa me perder, por que há de me atormentar com a visão de distante tamanha beleza? A tortura se faz assim mil vezes pior! Não há nada que mais evidencie o horror que a beleza não alcançada. E essa seriedade que a acompanha, só faz a me atacar, a perfurar meu peito com uma adaga, a cortar e cortar em mil direções. Quem é? O que quer? Por que enfim vens aterrorizar-me no nada?

- Você sabe quem é! Você sabe que nada quer! Você sabe que no nada não estamos! – exclama impulsivamente uma nova garota que aparece do nada e lhe dá três empurrões para trás enquanto fala. Ela, sorrindo, o olha com sedutores olhos, que devoram, sempre querendo mais.

- Não, não sei quem é. Não sei seu nome – diz o homem, olhando tristemente para a pequena garota.

- Não, não sabe seu nome. Tantas oportunidades e nunca seu nome soube. O meu sabe, não?

- Sim, sei.

- Mas nunca falará.

- Não, nunca.

- Então, por que me aterrorizam aqui neste vazio nada?

- Pare, não estamos no nada. Pare de falar que estamos no nada. Estamos em um quarto, um escuro e pequeno quarto. Se este quarto é feito do absoluto nada, não importa. Ainda não é o nada. O nada é por demais reconfortante para ser comparado a este quarto.

- Sim, um horrível quarto. Obrigado por me lembrar – responde desolado.

- Um solitário quarto no meio da eterna escuridão. Iluminado escassamente por uma tediosa luz amarela, provinda de uma lâmpada suja que está a pairar no fim de um fio solto do teto. Com uma grossa porta de madeira, num canto, dando saída para um profundo abismo de trevas. Abismo infestado de buracos negros, que não consomem, só digerem, e que nem dão vida a novos universos, só a uma compressão estática. Seguindo na parede oposta, de um grande diferente buraco. Buraco disfarçado de janela, esta dividida entre uma camada de vidro fino, a refletir o que há dentro, mas também a deixar as trevas passar, e uma de madeira esburacada, a nada proteger, dando saída para um rio de miséria. Rio que corre tortuosamente do baixo para o mais baixo, subindo depois para o mais baixo ainda. Estando ambas essas saídas desesperadamente reforçadas com tábuas podres, mas consistentes, a fim de impedir a visão do que há lá fora, o fora do mundo que gira em só uma direção, o das trevas, não o fora a sempre ser ambicionado. Impedindo de ver o repetido espetáculo da decadente distorção, mas de nada servindo contra a continua invasão dos gritos de horror emitidos por esse. Terríveis grunhidos vindos de todas as direções, todos produzidos não por uma dor, mas por um esforço.

- Pare! Já sei muito bem como é aquilo que me cerca, não preciso que me digam. Então, se é assim,  por que me aterrorizam aqui neste vazio quarto?

- Aterrorizar. Seria você alguma coisa sem nós?

- Não, não seria.

- E sequer se movimentaria?

- Também não.

- É… mas também isso mal faz mesmo na nossa presença.

- Não comece.

- O quê, é só uma verdade que estou apontando! Como é mesmo… é o andar sem parar para sempre estar no mesmo lugar. Andando de lugar algum para lugar nenhum, nunca chegando a um lugar melhor. E isso serve para alguma coisa? Não, nunca. Anda para cima, para baixo, para dentro, para fora, para os lados, em círculos, nunca encontrando algo real, algo de belo, algo que te faça não mais andar pelos lugares onde não se pode ficar parado, algo que te deixe repousar sem ser devorado por aquilo que destrói, que corrói, que a tudo cerca com a devorante nevoa. É o simplesmente andar entediado para o encontrar de mais tédio, o que só compensa por impedir que vire parte deste próprio tédio, parte da ficção que este é, que só é, fazendo todo o resto não ser. É a movimentação em dois planos, o primeiro, o em que flutua na massa amorfa, onde tudo é igual por nada realmente existir, o segundo, o aonde está desda pré-história, onde tudo se mascara de diferente pela complicação do simples. No primeiro só se caminha para frente e apesar de devagar, pelo menos nunca se volta. No segundo se caminha para todos os lados, mas não se chega a nenhum, e sempre se tem de voltar para aqui, este miserável quarto. Quarto o qual nunca se quis estar em primeiro lugar, mas que pelo menos protege da visão do horror, ou talvez não, talvez só reconforte oferecendo o alimento da ilusão, ou ainda pior, talvez só seja uma grande armadilha, a lhe espreitar a todo momento, preparada a sufocá-lo embaixo das almofadas da mentira. Sim, definitivamente uma armadilha! Já pensou nisso?

- A cada segundo passado aqui dentro, porém a armadilha que conheço é melhor que a armadilha que desconheço.

- E que armadilha é essa?

- A armadilha da impossibilidade que se fantasia de possibilidade até o momento em que é tocada.

- Cair constantemente em diferentes armadilhas é muito melhor que ficar para sempre preso em uma só.

- Sim, mas é difícil se acostumar a ser enganado – diz cansado, colocando uma mão sobre sua face, olhando para baixo pensativo. – Pare, simplesmente pare e vá embora!

A garota em resposta, puxa uma cadeira e se senta à sua frente.

- Não adianta, não? Você não vai embora?

- Não, é impossível. Você me adora demais para isso! Mas paro de falar, se isso é o que finge que deseja.

Continua…

Parte integrante do livro Um Grito no Vazio para o Nada!

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