O Velho e a Pequena Garota

Parte II

Nesse instante, cada um solta o dedo do outro, e com os dedos tocando seus narizes começam a fazer um movimento giratório. Isso se dá por alguns minutos, até que finalmente param, voltando a tocar um o nariz do outro, começam a se empurrar dessa maneira, mas logo com a outra mão seguram um o dedo do outro.

- Posso continuar? – pergunta o velho.

- Não – responde a garota.

- Mesmo assim continuarei. Outro fator extremamente importante em lugar nenhum é que não deve confiar em ninguém.

- Não devo confiar em você?

- Pare! – exclama o velho meio irritado.

- Devo confiar em mim? – pergunta a garota.

- Provavelmente não. Eu não o faria!

Em resposta a garota começa a pressionar com mais força o nariz do velho.

- Por que não? – pergunta a garota.

- Se você não sabe se deve confiar em si própria, como devo eu confiar em você?

- É que, às vezes, eu me sinto como se fosse só uma espectadora, sem poder controlar minhas ações, só julgá-las à distância. Sou duas.

- E? – pergunta o velho segurando com mais força o dedo da garota que o empurrava.

- E o quê?

- Sou sete. Quatro provavelmente planejam me matar. Os outros três riem de mim constantemente. Mas, mesmo assim, confio em todos – diz o velho pegando o dedo da garota e mordendo-o.

- Ah! Por que fez isso?

- Um dos sete estava entediado. Não posso controlá-lo.

- Ó, a minha outra também está entediada. Não posso controlá-la – diz a garota mordendo o dedo do velho.

Após um momento, voltam a só tocar um o nariz do outro.

- Confia em mim? – perguntam ambos simultaneamente.

- Sim – respondem ambos entre si.

- O que mais preciso saber sobre lugar nenhum? – pergunta a garota.

- Só que deve se acostumar a ficar entediada por longos períodos de tempo.

- Ah, que tédio! O que vamos fazer agora?

- Descreva-se.

- Por quê, é cego?

- Não sei. Acredito que não. Na verdade nunca conheci alguém que não me parecesse cego. Logo, não sei se este é o estado normal das pessoas, ou se só os vejo assim.

- Mas eu te vejo!

- Sim, estamos conversando. Logo, você me vê. Não é cega, se fosse teria passado direto. Mas eu não a vi, então, sou cego!

- Talvez não, talvez só esteja mal acostumado. Nunca é visto?

- Não nunca. E você o é?

- Não sei, você não me viu.

- Não, mas como você disse, estava cego por não ser visto. Se você vê, então pode ser vista, não é?

- Espero – diz olhando-o desolada. – Mudemos de assunto. Quer saber como sou?

- Sim, quero saber cada detalhe de quem foi capaz de me ver. Espero por isso há muito tempo.

- Assim descreverei-me. Tenho cabelos que cobrem à minha cabeça. Tenho dois olhos, que vêem aquele que não era visto. Tenho uma boca que conversa com aquele com quem ninguém conversava. E, é claro, tenho um nariz e na ponta deste tenho um dedo, ligado a uma mão, ligada por sua vez a um braço, ligado enfim a alguém que quero ver e com quem quero conversar. Agora é a sua vez.

- Sim, é claro. Tenho também cabelos que cobrem à minha cabeça. Tenho dois olhos, que até agora, só viam todos que não os viam e nenhum que os queria ver. Tenho uma boca, que queria falar, mas se manteve calada até alguém começar a falar com ela. E finalmente, tenho um nariz e na ponta deste tenho um dedo, ligado a uma mão, ligado por sua vez a um braço, ligado enfim a alguém que me viu e falou comigo.

- Agora sabemos como somos. Há, então, mais algo a se saber?

- Não. Não há nada mais a se saber, só tudo aquilo que não precisa ser desconhecido! – exclama o velho. - Mas isso não precisa de mim para descobrir – diz soltando o dedo da garota, que toca seu nariz.

- Devemos, então, nos separar? – pergunta a garota, afastando seu dedo do nariz dele, sem saber o que fazer.

- Sim. Tem de continuar seu caminho para lugar nenhum. É inevitável! – exclama afastando, por sua vez, seu dedo do nariz dela.

- Não sei se quero continuar, prefiro não saber onde estou! – exclama voltando a aproximar seu dedo do nariz dele.

- Mas não pode, sua preferência nunca esteve em jogo, não há uma opção – diz pegando o dedo dela e o afastando de seu nariz. - Para ter total certeza que não se sabe onde se está, deve-se primeiro rumar para lugar nenhum e lá por um tempo ficar. Só assim pode-se entender por completo que não se pode saber onde se está.

- Você vai esperar por mim? – pergunta tristemente colocando seu dedo sobre seu próprio nariz.

- Não, não posso. Agora que fui visto não posso mais não saber onde estou, tenho que continuar meu caminho.

- Mas para onde?

- Lugar melhor – responde colocando seu dedo sobre seu queixo.

- Mas você disse que... – pára, entendendo, enfim, as palavras dele. – Sim, compreendo-o. Devo seguir, então.

- Sim, deve.

- Até nunca – diz a garota, triste, levantando seu dedo para o velho, tentando uma última vez tocá-lo.

- Até sempre – diz o velho, que levanta seu dedo em encontro do dedo dela.

Seus dedos se tocam e logo se desencontram. A garota segue por seu caminho, o velho a observa indo embora. Num último momento, no entanto, ela querendo vê-lo por uma última vez, pára e olha para trás. E, assim, nada vê, já que não há nada a ser visto.

2 comentários:

Diogo Bogéa disse...

Fantástico

Anônimo disse...

Adorei, esta busca pelo nada que começa em lugar algum.... fantástico, olha que para arrancar um elogio meu é difícil